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O negócio do cavalo

Chegou na cidadezinha do interior vestido à caráter. Chapéu de palha na cabeça (alguns fiapos soltos na aba), barbicha rala, bigode mais ralo ainda, calça de riscado e camisa xadrez. A botina, bico largo, com o elástico já um pouco frouxo.
No barzinho da esquina, perguntou ao botequeiro:
– Onde fica a estação de rádio, aqui da cidade?
– Ah, fica ali atrás da loja do Migué Arfaiate. Nos fundo. O sinhor pega o corredor e vai até nos fundo. Tem duas sala. É lá que funciona a “rádia”.

Encontrou com facilidade e foi recebido na primeira sala, pelo Osvaldinho Peteba, dono da “Emissora Voz da Cidade, “que fala para os lares de toda a região”, segundo dizia Irani de Souza, seu único locutor.
– Muito prazer, sou o Capitão Santana e venho das cidades, lá das bandas de Ribeirão Preto. Também já trabalhei na Capital, fazendo programas sertanejos. O senhor tem programas sertanejos, aqui na sua maravilhosa estação?
– Ora, meu amigo. Esta aqui é uma cidade desenvolvida? Que tipo de programa a gente iria ter? Só tem, mesmo é sertanejo.
– Pois é, se o senhor pudesse me arranjar um horariozinho, aí, a gente podia fazer um programinha aí, falar bem do senhor, que eu fiquei sabendo que quer se candidatar a prefeito…
Meia Hora e duas dúzias de elogios depois, todos enaltecendo a figura do vaidoso Peteba. Capitão Santana sai do cubículo já empregado. Um salário de fome, mas que lhe abria muitas perspectivas. Tratou logo de se familiarizar com as ouvintes mais vaidosas. Assim, nos dias de dureza, mandava o recado:
– Alô, comadre Marocas. Prepara, hoje, aquele franguinho ao molho pardo, que o Capitão Santana está morrendo de saudade dessa comidinha que só a senhora sabe fazer…
E estava garantida a bóia daquele dia. No dia seguinte seria a vez da D. Tiana e seu delicioso “tutu à mineira”. Na quarta, o capitão Santana era o convidado de D. Josefina, para provar alguns (vários) pasteizinhos de queijo fresco.
Na roça o prestígio do Capitão não era menor. Tudo o que mais se desejava era acordar de manhã bem cedinho para escutar o Capitão mandar os recadinhos de sempre:
0 Alô, Fazenda das Antas: seu Jeremias: a D. Dervina manda avisar que já teve alta no hospital e é pro senhor pegar a carroça e vir “buscar ela”.
Com esse tipo de serviço, ele acabava ganhando um franguinho aqui, uma leitoinha ali, uns quilinhos de arroz, café, feijão, enfim, ia fazendo a feira. E tinha a simpatia do Oswaldinho Peteba, porque não tinha um programa sequer que o Capitão Santana não falasse deste “santo homem”, “que começou a vida como vendedor ambulante e hoje é um cidadão honrado, que dirige esta poderosa emissora com o coração aberto para seu povo e sua cidade”.
– Pôxa, seu Jeremias, mais quatro mil e quinhentos contos tá muito puxado, prum cavalinho pangaré desses aí, reclamava o Jorge Turco, na Fazenda das Antas, comprando um cavalo de seu Jeremias.
– Pois óia, seu Jorge, só tô vendendo por esse preço é porque é pro senhor. Pra ôtro o preço seria muito maior.
– Tá bom, seu Jeremias, o senhor me entrega esse cavalo lá na loja no sábado, pois domingo eu quero dar um passeio nele, visitar umas fazendas da região, fazer umas vendinhas, o senhor sabe como é? A gente começou como mascate e não perde a mania de uma ou outra vendinha a domicílio.
Tudo tratado, seu jeremias se comprometeu de entregar o cavalo no sábado e receber o dinheiro na “Loja das Arábias”, no centro da cidade. Acontece que no sábado, época de colheita, tempo meio querendo chover, seu Jeremias resolveu não se arriscar Chamou a mulher.
– Ó Dervina, você vai na cidade, entrega o cavalo pro seu Jorge Turco, recebe e diz pra ele que eu fiquei por aqui por causa da colheita do arroz, que tá atrasada e o tempo das chuvas tá quase chegando.
A mulher selou o cavalo Pombinho, branquinho e manso, passou uma corda no pescoço do cavalo alazão, que ia entregar pro Turco, tomou caminho da cidade, bem de madrugadinha, pensando em votar logo, para ainda fazer o almoço do marido e dos filhos.
Chegando na loja do turco, encontrou-o muito ocupado.
– Ó Dona Dervina, não dá pra gente acertar esse negócio agora. Será que a senhora não pode voltar depois do almoço?
– Dá sim, sô Jorge Turco. Só que não seria possível o senhor adiantar um pouco do dinheiro pra eu fazer umas compras lá prá casa?
– Pois não. Olha, eu vou lhe dar metade agora, pra provar que o negócio tá em pé. A outra metade a senhora apanha aqui, depois do almoço, que o movimento vai ser menor.
A mulher saiu pra rua. Antes de começar as compras lembrou do marido: “Ih. O Jeremias vai ficá esperando o almoço”. Foi então que viu o Capitão Santana entrando no prédio da rádio para o seu programa sertanejo da tarde. Resolveu falar com ele. Entrou na salinha no momento em que o Capitão enchia a caneca de água num pote, colocado numa cantoneira, perto da porta.
– Boa tarde, Capitão.
– Boa tarde, D. Dervina. Sabe que ainda ontem eu pensei que tou numa saudade danada das pururuquinhas de porco que a senhora faz…
Foi assim que, meio hora mais tarde, ouvindo o programa caipira, enquanto esperava a mulher. Jeremias recebeu este recado, pela voz do Capitão Santana:
– Atenção, seu Jeremias, da Fazenda das Antas. A D. Dervina manda avisar que ainda se encontra na cidade. Ela avisa também que o “negócio do cavalo está em pé”. Metade entrou de manhã; a outra metade vai entrar agora à tarde…

Sérgio Carlos Portari

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Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação

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