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A Cueca

A colheita daquele ano havia sido boa como nunca fora antes. O milho rendera no pé, em espigas e tamanho, o feijão e o arroz

dariam um bom lucro e a plantação de café se encontrava em estado de graça, produzindo café de peso. Enfim, um ano que só dera lucros.
Jorcelino havia dedicado toda a sua vida àquela propriedade que herdara do pai – morto em uma briga tola, num jogo de truco, na venda do velho Mané, à entrada do povoado – quando nem tinha completado a maioridade. Levantava-se às três horas da manhã para um dia inteiro de afazeres, trabalhando pesado, com pequenas pausas para almoço, café e jantar. E uma pausa mais prolongada para dormir.
Não era moço de sair, freqüentar bailes. Quando muito era visto num canto da igrejinha da vila, chapéu na mão, ar contrito, ajoelhado, assistindo a missa do padre Joaquim. Quando tinha quermesse na vila – “em prol da construção da nova Matriz de São Judas Tadeu”, conforme frisava ao microfone do Serviço de Alto-falante, o locutor Pacheco – ele era o primeiro a contribuir com uma novilha para o leilão, alguns frangos para serem assados e arrematados pelos fazendeiros vizinhos.
Mas, nunca foi a um leilão, a uma quermesse, a uma festa. Vivia para o trabalho, morando naquela mesma casinha apenas em companhia da mãe, D. Iracema e de um cachorro dos mais vira-latas possível. Era de pouco falar. Também não tinha com quem. Gostava mesmo era de pescar no ribeirão que passava na divisa do seu roçado. Entretanto, quando as moças da fazenda vizinha vinham tomar banho, do outro lado do córrego, ele se esgueirava por trás de uma grande moita de capim, pegava as suas tralhas de pescaria e ia embora.
Um dia a coisa mudou. Pescando no barranco do ribeirão, acabou surpreendido por uma das moças da fazenda do seu Tomás, uma italiana viçosa, rosada e de peitos fartos. Ela chegou por trás da moita e não deu chances para ele fugisse. Meio embasbacado, falando frases pela metade, Jorcelino foi obrigado a contar que morava naquela casa no alto da colina, que aquele roçado era seu, que vinha sempre ali. Falou, morrendo de vergonha da moça, mas falou.
Ora, apesar de solitário, apesar dos 32 anos, Jorcelino não era má figura. Precisava mesmo era vestir-se com melhor apuro para se fazer notado. Quem percebeu isto foi a moça, que acabou se interessando por ele, achando graça em sua timidez. Passaram a se encontrar naquele lugar, conversando bobagens. Acabaram iniciando um namoro acanhado, tímido, à moda do rapaz.
Quem via Jorcelino nos últimos tempos ficava espantado com a mudança. Passou a ficar mais expansivo, conversava mais com a mãe na hora do almoço e da janta, comprou um rádio à pilha para ouvir os programas sertanejos das emissoras de São Paulo. Até mesmo com o povo da venda ele chegou a entabular conversas quando ia para a cidade comprar os mantimentos do mês. Mudou completamente o Jorcelino.
Mudou tanto que passou até a preocupar-se em vestir uma roupa mais apresentável para conversar com a italiana Nair, uma vez que o namoro progredia a olhos vistos. Progredia tanto que já namoravam na varanda da casa da moça, sob os olhos severos de dona Romana, mãe de Nair.
Naquele tempo não existia as modernas cuecas de hoje. Comprava-se o pano e se fazia esta peça do vestuário masculino em casa mesmo. Em uma de suas visitas à Vila, Jorcelino comprou 4 metros de fazenda para que a mãe lhe costurasse umas cuecas novas. A velha achou que era um exagero fazer tantas cuecas. Ao lhe entregar algumas prontas, avisou: “Eu não fiz tudo, guardei doi metros no baú, prá fazê mais pra frente, pra quando você casá”.
Naquele sábado, Jorcelino não cabia em si de contente. Iria estrear sua cueca nova. Chegou na casa da noiva bem na hora em que despontava no céu uma enorme lua cheia. Conversou um pouco com os velhos e deu um jeito de chamar Nair já para o terreiro. Conversaram banalidades “égua branca pariu um potrinho malhado; meu pai matou o capado hoje cedo; a jabuticabeira está começando a florar”. Essas coisas. Marcaram o casamento para a semana em que Jorcelino recebesse o dinheiro da venda da colheita, que fora excelente. Foi quando ele se lembrou de uma coisa importante: as cuecas novas.
– Tenho uma novidade pra te mostrar.
– O que?, indagou Nair.
– Vamos sentar ali no banco atrás do curral que eu te mostro, sugeriu Jorcelino.
Foram, sentaram. Com ar muito maroto na cara, ele desabotoou a barguilha da calça e disse para a noiva:
– Olhe aqui dentro da barguilha.
Ela olhou e deu um grito de espanto. Entusiasmado, ele emendou:
– Espantou? Ih, você ainda não viu nada. Eu tenho mais dois metros lá em casa, guardados pra quando a gente casar!
A moça não disse mais nada. Apenas caiu de costas, desmaiada. Foi então que, para seu desespero, Jorcelino percebeu que na pressa de sair para encontrar com a noiva, havia se esquecido de vestir a cueca…

Sérgio Portari

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Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação

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