Lazer: Volta ao mundo em 80 aeroportos – Dia 2*

23/04/2020 02:17 A.M – Trecho: Recife – Manaus

Sim, já entramos no dia 23 de abril de 2020. Já se foram 15 anos desde que fiz o primeiro dia de viagem a bordo do Learjet 45 convenientemente alugado no Flight Simulator da Microsoft. Depois de tanto tempo, quanta coisa mudou. Comecei a viagem aos 22, vou concluí-la a partir dos 37 e em meio a pandemia, aproveitando algumas horas noturnas onde o home office está em modo ‘descanso’.

Vamos lá?

Dia 2 – Acordo logo cedo. A cama do Nacional Inn Recife, nos arredores do aeroporto, até que é confortável. O dia anterior fora cansativo, com dois grandes momentos de viagem: a ida até Rio de Janeiro, local de partida dessa aventura, e a viagem a Recife, sozinho, a bordo do Learjet. Confesso que as primeiras horas foram de uma ansiedade tremenda. Pilotar e levar um avião sozinho é uma responsabilidade grande mas, aos poucos, a ansiedade se acalma e passamos a nos concentrar nas instruções da torre de comando.

O destino hoje é Manaus, capital do Amazonas. O clima por lá não anda muito legal por esses dias. A crise da Covid-19 tem assustado muita gente. Mas, o que posso fazer com um plano traçado há 15 anos? Nada a não ser segui-lo… Confesso que foi difícil resistir a tentação de alterar alguma coisa na rota. Mas, depois de tantos anos, por que não completar aquela aventura?

Era assim que pensava enquanto o “Seu” Antônio, do Uber, me levava de volta para a área reservada de voos particulares do aeroporto de Recife. Nem deu tempo de aproveitar muita coisa (também, nem podia). Mas, pelo menos, deu para descansar, tomar um bom café. No curto trajeto, Seu Antônio contava desanimado de como as coisas não andam fáceis. E me perguntou onde consegui investimento suficiente para essa aventura de 80 aeroportos. Felizmente o dinheiro virtual no computador não é problema para uma aventura dessa. Mesmo porque, com o dólar a R$5,40 (em 2005, estava na casa dos R$2,40) não seria nada fácil ficar abastecendo meu Learjet que ficou 15 anos alugado para mim.

Me despeço deixando uma gorjeta generosa pelo aplicativo. Sei que as coisas não andam fáceis, então, pelo menos posso dar uma ajuda para quem está se arriscando no trabalho.

Acesso o aeroporto e já encontro minha aeronave devidamente abastecida e pronta para segunda etapa da viagem, que deverá durar em torno de 4h30. O trajeto de Recife para Manaus, agora, está bem mais tranquilo do que em outros tempos. A redução drástica de voos tem permitido slots de pouso e decolagem com certa tranquilidade.

Dou aquela vistoriada na parte externa, vejo que está tudo ok. Assumo meu posto solitário, confiro o estoque de água. Giro a chave e dou início novamente ao procedimento de ligar a máquina voadora. Aos poucos o som da turbina novamente acalma minha alma. Aquele som de liberdade, de lembrar que tudo passa, é muito bom.

Chamo a torre de controle. Fernando me responde, com seu sotaque característico. Peço instruções para iniciar a segunda parte da jornada. Calmamente e, com o movimento reduzido, a conversa até que se alonga mais do que o comum. Enquanto me fornece instruções, faz alguma piada sobre a minha jornada, perguntando se não caberia ele junto às malas. Rindo e, já um pouco descontraído, vou taxiando o Learjet pela pista.

Ninguém subindo. Ninguém descendo. A solidão da pista é desoladora. O que outrora era um sobe e desce incessante, agora, se limita a um pouco de subida e um pouco de descida. Ouvi notícias que Congonhas, desde 13 de abril, está totalmente parado, sem ninguém decolando ou descendo. Que dó!

Os pensamentos vão fluindo conforme a pista de 3007 metros vai passando por baixo. Subi pela pista de número 18, pois estava como vento favorável. E também me obrigaria a menos manobras para rumar a Manaus. Um olho no painel, outro no céu claro… 100 km/h, 150 km/h… 200km/h… e pouco depois, suavemente, puxo o manche e sinto os pneus deixarem o contato com o solo. Como o dia está tranquilo, pergunto à torre se posso dar um 360º pela capital para apreciar a paisagem. Pedido autorizado, já que aviões por ali não estão com aquele fluxo normal.

Conforme ganho altitude, vou apreciando o litoral mais uma vez. O recorte do litoral, o mar avançando incessantemente contra a areia, os prédios que cortam os céus à beira mar… e só então me dou conta de que passarei uma temporada sem ver o Oceano Atlântico, já que minha rota me levará para o Amazonas e, de lá, sentido ao Oceano Pacífico, por onde pretendo ir sentido ao Oriente para, só daqui sei lá quanto tempo, voltar para essas bandas do planeta…

Learjet alinhado na rota traçada pelo GPS. Instruções seguidas. Ganhando altitude e, de repente, o primeiro susto. Um vento vertical me faz um “degrau” que, confesso, só não me desesperei porque o único passageiro sou eu. E só eu poderia ser o responsável por segurar o avião. Sabe aquela sensação de estar numa montanha russa? Pensa isso a 525 km/h e 6.000 metros de altitude. É uma sensação de flutuar que, se não fosse o bendito cinto bem afivelado, provavelmente tinha me feito ficar sem gravidade.

Foi um susto, principalmente para mim que não sou lá tão acostumado a pilotar. Mas o “bichinho” aguentou bem o baque. Meu coração também. E isso é bom. Pelo menos sei que não vou morrer infartado. Acredito que o pessoal da torre tenha ouvido meu susto. Pois alguns segundos depois me perguntaram se havia alguma emergência no ar. Ainda bem que foi só o chacoalhão mesmo.

Depois desse susto, chego à altitude de cruzeiro. Agora o tempo parece mais calmo. O rádio, em alguns momentos do trecho, apresenta algumas falhas na comunicação. Mas, felizmente, nada grave. Consegui fazer o resto da viagem sem surpresas… Quatro horas depois, a permissão para aterrissar.

“Lear Jet Novemer Forty Five” – brinca comigo o operador – permissão concedida para pouso”, ouço enquanto aproveito alguns segundos para contemplar o Rio Solimões (e, claro, não pude deixar de lembrar da dupla sertaneja e rir da referência).

Manaus, a capital se perde na minha vista enquanto, cuidadosamente, vou seguindo as instruções de altitude e velocidade de aproximação. Um pouco de tristeza me abate ao lembrar do noticiário. Mas, ao mesmo tempo, estar pela primeira vez na capital me motiva, mesmo com todos os cuidados necessários.

50… 40…30…20…10…. “tuc-tuc”, sinto as rodas encostarem no chão. Não foi um pouso perfeito. Também não foi um pouso ruim. Um pouco duro. Talvez os anos parados sem pilotar me deixaram enferrujado em como manipular essa máquina. Tá bem, o importante é que não quebrou, penso enquanto aciono os reversos do motor.

  • “Torre, não sou familiarizado com a pista, pode me dar instruções de taxiamento?”, pergunto com certa timidez.

Segundo depois as instruções chegam pelo rádio. Menos mal. Já dá para encostar o Learjet onde ele irá passar as próximas horas. Já são 13h e então posso tirar o resto do dia para conhecer um pouco da capital. Claro que, antes disso, dou as instruções para a equipe de solo: abastecimento, conferir pneus, instrumentos, verificar se está tudo ok para a próxima parada: Medellín, na Colômbia.

Por que não a Venezuela?, me perguntaria algum intrépido leitor. Porque ela está na rota de volta. E como pretendo não repetir aeroportos (pelo menos, se o Learjet assim permitir), resolvo deixar esse país como um dos últimos a passar. Assim, confiro o plano traçado em 2005: Colômbia, Equador, Peru, Bolivia, Paraguai, Uruguai, Argentina, Chile e, depois me lanço para o Oceano Pacífico.

Tudo no jeito, procuro um hostel para me alojar. Tomar um bom banho, uma boa refeição e ir conhecer a capital que habita há muito tempo as embalagens de produtos que compramos: “Produzido na Zona Franca de Manaus”. Bora lá?

Amanhã continuo com mais detalhes.

Rodrigo Portari

*P.S: Bem vindo à aventura da volta ao mundo em 80 dias à bordo de um Learjet 45. A viagem, fictícia, está sendo realizada a bordo de um avião no jogo Flight Simulator, da Mircrosoft. Essa é uma diversão iniciada em 2005 e só agora que começa a ser concluída. Para quem quiser entender um pouco mais, sugiro que leia a primeira parte desse diário clicando aqui.

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rdportari

Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação

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