A falta de controle, a ânsia por positividade e o luto

Desde que toda a pandemia da Covid-19 iniciou-se no mundo, tenho observado postagens, comentários e, principalmente, respondido algumas mensagens em redes sociais de pessoas que apoiam as medidas de isolamento e de outras que vociferam contra tudo isso e, também, contra a imprensa. A ideia de “culpar” a mídia pela crise causada pelo vírus e, ainda, politizar a discussão em “querer derrubar um presidente” são constantes e, curiosamente, deixam para trás todo o positivismo presente em “Ordem e Progresso” estampado na nossa bandeira. Muito pelo contrário. Temos visto mais desordem e pouco progresso nesse último mês.

Mas, em todo caso, esse é um artigo de opinião e, como tal, externarei aqui alguns pensamentos que me acompanham há uns dias em relação às milhares de interações que tenho vivido nas redes sociais. Primeiro ponto: percebo uma ânsia de notícias “positivas” sobre a doença. O que seria positivo? Falar de remédios que curam, de casos curados, de pessoas que se salvaram, de índices em queda. Num cenário onde perdemos o controle total do que está acontecendo (quantos planos do começo do ano já não foram adiados ou cancelados do dia 20 de março para cá?), vejo essa ansiedade em tentar retomar o controle da vida cotidiana. E, como isso seria? Com um remédio milagroso que a ciência (essa sim, positivista) ainda não conseguiu encontrar.

Então, quando se coloca notícias de mais casos suspeitos, de mortes confirmadas, etc., logo vem aquela parcela para vociferar contra os jornalistas. Querem resumir tudo a likes e audiência. Talvez para sentirem que têm algum controle sobre a doença. Mera ilusão. Não existe controle sobre ela. Ainda. E, mesmo quando houver vacinas e medicamentos realmente eficazes, esqueçam aquela vida que conheceram até março de 2020. O mundo será outro. Assim como foi em outras épocas na história da humanidade.

Outro ponto que quero destacar: não sou psicólogo, nem psicanalista nem tenho formação na área. Mas leio bastante. E estudo o tema “morte” há pelo menos 13 anos, desde que iniciei o mestrado e, depois, no doutorado e em outros projetos de pesquisa. E, claro, já li Freud e suas teorias de luto e melancolia, além de outros autores da área da psicanálise. E aí entra o que eu quero dizer: desde o início disso tudo, tenho visto a sociedade (grande parte dela) vivenciando os estágios do luto pela perda do controle de suas vidas. Quais são eles?

1 – Desorientação, torpor, negação e isolamento – caracterizados, inicialmente, com afirmações tais como: é só uma gripezinha. Isso só mata velhos. Não é perigoso. Entre outras.

2 – Anseio e Busca da Figura Perdida – quando percebe-se que não é só uma gripezinha, começa-se a buscar aquela vida de antigamente. Aí, na minha opinião, surgem teorias do tipo: vamos isolar só os mais velhos. Deixa a gente trabalhar normalmente. Ou seja, temos aí a busca daquele cotidiano que foi rompido por decretos estaduais e municipais.

3 – Dor Profunda e Desespero – vendo que ainda não se consegue retomar a vida, passou-se então a buscar desesperadamente a cura milagrosa com remédios que podem ter certa eficácia, mas que ainda precisam ser realmente estudados para saber se funcionam. E começa-se a culpar a mídia, a politizar o vírus, a “fugir” das medidas de isolamento, provocando aglomerações, festas, reuniões com amigos. Começa-se a pressão com fundamentos na economia, mesmo com a ciência (mais uma vez, esta sim, positivista), dizendo que não é o momento de se fazer isso. O desespero, para mim, é a fase em que estamos vivendo agora, pelo menos, em Frutal.

4 – Reorganização e re-elaboração: as teorias dizem que para chegar a esse estágio do luto, pode se levar até 2 anos. Que é quando a vida realmente vai ser re-organizada e o enlutado passa a buscar outro “objeto” para se conectar. Quero acreditar que não vamos demorar tanto tempo assim para entrar nesse estágio. Quero torcer que seja até o final do ano. Mas o fato é que só retomaremos o controle real das nossas vidas daqui alguns meses, gostem ou não dessa informação.

Faço esse longo texto de opinião, nessa Sexta-Feria Santa, para expor o que venho observando de tudo que leio, respondo e convivo virtualmente. Há centenas de planos meus e de minha família que foram adiados ou cancelados. Há outros tantos que estão no limiar de serem definitivamente abandonados. No entanto, infelizmente, o momento agora é de viver um dia após o outro. Ficar na ansiedade ou descarregar essa ansiedade na imprensa, não vai mudar absolutamente nada. Pelo contrário, só vai prolongar a fase do desespero.

Para você que chegou até aqui, obrigado. Que essa Sexta-Feira seja de profunda reflexão. Para os que não chegaram, tudo bem. Só espero que não continuem buscando culpados, incessantemente. Pois só farão mal a si mesmos.

Para quem acredita e tem fé, fiquem com Deus.

Para que não acredita ou não tem fé, fiquem bem!

Rodrigo Portari

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rdportari

Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação

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