Plano de saúde é condenado por se negar a fornecer materiais

A Unimed Belo Horizonte Cooperativa de Trabalho Médico Ltda. foi condenada a indenizar em R$ 10 mil, por danos morais, um paciente que teve negado o fornecimento de materiais necessários para que ele se submetesse a uma cirurgia.

A decisão é da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que reformou em parte sentença da Comarca de Carangola. A cooperativa foi condenada ainda a fornecer os materiais para a realização do procedimento médico, confirmando tutela antecipada concedida anteriormente.

O usuário do plano de saúde entrou com o pedido para que a Unimed Carangola e a Unimed Belo Horizonte fossem condenadas a arcar com os custos de dois materiais: extensão ilíaca, no valor de R$ 18.730, e kit endoprótese anaconda, no montante de R$ 47.980.

Em primeira instância, o pedido foi julgado procedente. A Unimed Belo Horizonte e a Unimed Vale do Carangola foram condenadas a pagar, solidariamente, pelos materiais cirúrgicos, confirmando liminar nesse sentido. As cooperativas foram condenadas ainda a indenizar o homem em R$ 15 mil, por danos morais.

Diante da sentença, a Unimed Vale do Carangola recorreu, indicando não ser parte legítima para figurar na ação, uma vez que o paciente não tinha contrato celebrado com a unidade. Argumentou que a Unimed Vale do Carangola e a Unimed Belo Horizonte eram unidades independentes, com CNPJ, quadro de cooperados, diretoria e área de atuação diversos.

Exclusão da cobertura

A Unimed Belo Horizonte também recorreu. Sustentou não ter praticado qualquer ato ilícito, afirmando que a negativa de cobertura do material necessário à cirurgia do autor derivou de disposições contratuais, uma vez que o contrato firmado entre as partes possuía cláusula expressa excluindo da cobertura próteses de qualquer natureza.

Entre outros pontos, a empresa afirmou que nos autos não havia notícia de que o paciente tivesse sofrido danos à sua saúde decorrentes da negativa ou problemas no êxito na realização da cirurgia, além de não haver indícios de sofrimento psicológico ou abalo em sua honra.

Disse ainda que a não cobertura do pleiteado pelo paciente decorria de limitação expressa, e que não existia fundamento legal ou mesmo contratual para que fosse obrigada a arcar com os custos dos materiais para a cirurgia, de forma ampla e ilimitada, sob o risco de haver desequilíbrio na relação econômica entre as partes.

Desequilíbrio entre as partes

A relatora, desembargadora Aparecida Grossi, verificou que a Unimed Vale do Carangola não deveria, de fato, figurar no polo passivo da ação, pois o paciente possuía contrato com a unidade de Belo Horizonte. A magistrada destacou que cada Unimed possui personalidade jurídica própria e, ainda que explorem o mesmo nome comercial, não são solidariamente responsáveis pelos atos praticados por todas elas.

Quanto às alegações da Unimed BH, a relatora avaliou que a controvérsia estava na aplicação ou não da Lei 9.656/98 ao caso concreto e, em consequência, na análise do dever do plano de saúde de arcar com os custos dos materiais necessários à cirurgia: a extensão ilíaca e o kit endoprótese anaconda.

Inicialmente, a relatora destacou que o contrato de plano de saúde consiste na assistência médico-hospitalar por meio de entidades conveniadas, mediante o pagamento de um prêmio mensal pelo segurado que, por sua vez, receberá em troca assistência médica quando for necessária.

“O contrato de prestação de serviços assistenciais ao qual aderiu o apelado [autor da ação] foi celebrado em 01/07/1995, ou seja, anteriormente à vigência da Lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Sendo assim, a referida lei não se aplica ao presente caso”, declarou a relatora.

Além disso, entre outros aspectos, a desembargadora destacou que “o contrato de plano de saúde deve observar os princípios da confiança e da vulnerabilidade, bem como suas cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, a fim de coibir desequilíbrios entre as partes, principalmente em razão da sua hipossuficiência em relação ao fornecedor”.

Cláusula abusiva

Da análise dos autos, a relatora verificou haver relatório elaborado pelo médico cardiologista responsável pelo tratamento do autor, credenciado pela Unimed, atestando que a melhor solução para o restabelecimento do paciente seria a realização de tratamento com os materiais pleiteados.

“Como se nota na declaração de recusa da ré, foram criados obstáculos para fornecer dois materiais necessários e indicados para o tratamento do autor, contrariando a escolha da técnica apresentada pelo médico credenciado que o avaliou. (…) Apesar do procedimento ter sido autorizado, a recusa de fornecimento dos materiais se embasou na ausência de cobertura pelo plano de saúde do demandante (…)”, destacou.

Para a magistrada, essa recusa, baseada em previsão expressa de não cobertura de “próteses e órteses de qualquer natureza”, baseava-se em cláusula abusiva, pois o contrato cobria o tratamento da patologia nos termos solicitados pelo médico, mas excluía a cobertura de materiais necessários ao êxito do procedimento, o que, avaliou, era “incoerente”.

“Urge frisar que, entre o direito contratual e o direito à saúde, este deve prevalecer, pois, como bem intrinsecamente relevante à vida e à dignidade humana — que foi elevada pela Constituição da República à condição de direito fundamental do homem —, não pode, por isso, ser considerado como simples mercadoria, nem confundido com outras atividades econômicas”, ressaltou a relatora.

Dessa maneira, a desembargadora manteve a sentença que confirmou a tutela antecipada concedida anteriormente, determinando o fornecimento, pela Unimed BH, dos materiais necessários à realização do procedimento médico solicitado pelo paciente.

Em relação aos danos morais, a relatora verificou serem devidos pelo fato de o autor da ação, já fragilizado pela sua doença, ter obtido resposta negativa para o tratamento de que necessitava, o que adiou uma possível melhora do seu estado de saúde debilitado e “certamente lhe acarretou grande angústia, desconforto, aflição, abalo psicológico e sofrimento”.

Contudo, a desembargadora julgou por bem reduzir a indenização para R$ 10 mil, valor que considerou mais adequado, tendo em vista as peculiaridades do caso. Os desembargadores Roberto Soares de Vasconcellos Paes e Amauri Pinto Ferreira votaram de acordo com a relatora.

Confira a decisão e a movimentação processual .

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rdportari

Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação