Prefeitura não deve pagar salários amanhã e servidor desabafa

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Um servidor público municipal que pediu para se manter no anonimato encaminhou uma mensagem de desabafo após ser notificado, segundo ele, que a Prefeitura irá atrasar novamente o salário deste mês (que deveria ser pago amanhã). Reproduzo o desabafo do servidor que, convenhamos, está coerente.

Quanto era “bicicreteiro”, ao final dos anos 80, tirava do meu ofício as minhas necessidades, que não eram muitas, ao passo de ser um jovem solteiro.
Ajudava minha mãe a pagar a conta de energia e com isso poderia usufruir de dois momentos mágicos exibidos naquela caixa enorme chamada de televisão: corrida e novela.
Apesar da fama da Fórmula 1, gostava mesmo era da Fórmula Indy. Corridas de glória à Emerson Fittipaldi.  Mas, encantando mesmo, era ver a atuação de Tereza Rachel, interpretando a impagável Rainha Valentine na novela “Que Rei Sou Eu?”.
Eram momentos de distração vividos em tempos difíceis. A bicicletaria não ia bem, mas nunca deixei atrasar, um dia sequer, o pequeno salário do meu fiel “secreta”.
Não importava quem iria vencer a primeira eleição democrática do Brasil, se o muro de Berlim iria ou não ficar de pé. O dinheiro do “secreta” eu tinha que arrumar.
Diante de tantas dificuldades e por incentivo de minha vitoriosa mãe, resolvi estudar.
Saía correndo da bicicletaria, tomava um banho e ia para a escola.
Mesmo diante de tantas dificuldades, não desanimei. Consegui terminar o ensino médio em um ano de sorrisos e lágrimas: 1994.
A tristeza de perder Senna só não foi maior que minha alegria de ser aprovado no concurso público da Prefeitura de Frutal/MG.
Ao invés de “bicicretero”, agora eu era servidor. Servidor com muito orgulho.
Meu patrão parecia mais um rei, como naquela novela que insistia em permanecer na minha memória. Enfrentava crise política, econômica, mas não atrasava o nosso salário.
Nem podia, pois passado alguns anos, não era mais eu, mas sim, nós: eu, minha esposa e duas filhas.
Foram momentos de glória na carreira de servidor. Quanto mais o tempo passava, melhor ficava meu salário, o que dava mais vontade de trabalhar.
Passado tantos anos, hoje me encontro cansado, mas não posso parar. Já consigo enxergar ao longe a sonhada aposentadoria.
Enquanto isso não acontece, tenho que cuidar do futuro de minhas filhas que acabaram de entrar na faculdade. Uma faz direito, a outra administração.
O que seria um momento de sublime felicidade de qualquer pai, tem roubado as minhas noites de sonho.
É que a tão sonhada estabilidade, que sempre me possibilitou trabalhar mais para ganhar mais, está se desmoronando.
Hoje não é mais possível fazer compromissos financeiros, pois não sabemos se nosso salário estará depositado a tempo de pagá-los.
Eu que sempre tive orgulho de ser servidor, hoje sou olhado com descrédito em qualquer lojinha de esquina. É que não dá mais para pedir “fiado”.
E a culpa não é dos proprietários. Se ainda fosse “bicicreteiro”, eu também não venderia nem uma “rolema” a servidor da Prefeitura Municipal de Frutal/MG.
Mas nas vozes dos Deuses do Olimpo, hoje tempos o cartão Sisprocard! São tantas contas para pagar aqui em casa, que nem se eles quadriplicarem o crédito do bendito
cartão eu conseguiria saná-las.
Mas mesmo assim, tenho que agradecer. Agradecer por ser informado antencipadamente que o meu salário não será depositado. Pois ser informado um dia antes do compromisso do depósito é tempo suficiente para eu chegar em casa, tomar uma banho e sair, a noite, de porta em porta, informando aos meus credores que a Prefeitura não pagou.
Na época dos “reis”, servidor eram todos, ou todos recebiam, ou todos recebiam. Não tinha essa de pagar uma categoria e a outra não.
Vivi alguns momentos difíceis: a implantação da democracia, a derrubada de um governo a implantação de uma nova moeda, enfim: nada comparado ao momento atual (nas palavras dos Deuses do Olimpo).
Pelo menos da última vez, houve a mudança da data de pagamento somente por três vezes. Paguei juros, não recebi nem correção!
Que saudade da minha novelinha. Hoje nem energia posso gastar, nem energia de casa, nem de vontade de trabalhar.
Ao agigantar a desvalorização, ao setorizar a classe de servidores e triunfar o desrespeito as nossas famílias, chego a ter vergonha de ser honesto e servidor”.

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rdportari

Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação

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