Noticias

Máscaras, identidades e Vida Nua

Dois trechos do livro “Nudez”, de Giorgio Agamben, que trouxe de minha recente viagem. O Capítulo em questão é “Identidade sem Pessoa” que merece reflexão. O primeiro parágrafo do texto diz:

“O desejo de ser reconhecido pelos outros é inseparável do ser humano. Este reconhecimento é-lhe, mais ainda, tão essencial que, segundo Hegel, o ser humano está disposto, para o obter, a pôr a sua própria vida em jogo. Não se trata, com efeito, simplesmente de satisfação ou de amor-próprio: mas é antes, somente através do reconhecimento dos outros, que o homem pode constituir-se como pessoa” (p.66)

Em seguida, Agamben passa a discorrer sobre o método de identificação da personalidade, dizendo que na Idade Média, até o século XIX, a sua “máscara” de “pessoa” ou “identidade” era dada pela sociedade de acordo com seus antepassados e suas posturas. Porém, a necessidade de identificar bandidos fez com que em 1870, na França, surgisse o primeiro sistema de cadastramento de criminosos que implicava nas medidas corporais e na fotografia de frente e de perfil. Em seguida, em 1880, na Inglaterra, um primo de Charles Darwin cria o sistema de identificação por meio das digitais, já que, para os olhos europeus, os negros e os povos das colônias eram idênticos e isso dificultaria a identificação por meio de fotos. Assim, continua Agamben, a sua personalidade deixou de ser quem você é para ser dada por uma foto e pelo “dedo sujo” de tinta que deixa a sua marca “digital” num papel e, todos, sem exceção, passam a ser tratados como “criminosos em potencial”. Ou seja, é um sistema que até hoje nos submetemos.
Aprofundando suas reflexões, Agamben nos provoca ao dizer que hoje a “identidade” ou “personalidade” só é aquela que a Grande Máquina nos dá: seja a catraca do metrô, a câmera de segurança ou o computador, por exemplo. E nesse ínterim, ele emenda:

“No momento em que prega o indivíduo a uma identidade puramente biológica e associal, promete-lhe que o deixará assumir na Internet todas as máscaras e todas as segundas e terceiras vidas possíveis, nenhuma das quais poderá alguma vez pertencer-lhe propriamente” (p.68)

A reflexão de Agamben é propícia e nos permite pensar em como se dá o reconhecimento hoje e as multifacetas que a Internet nos permite assumir: vestimos várias máscaras sociais aqui, defendem-se causas pelas quais não se acreditam ou sequer se mobilizam. Mas, o que importa, na verdade, é assumir essas várias vidas ofertadas na Internet – e nas redes sociais – para se ter uma “identidade”, mesmo que seja “associal”. Agamben, como sempre, sintonizado no mundo. O capítulo merece mais umas duas releituras para refletir sobre as questões da “vida nua” a que fomos reduzidos pelas máquinas. Recomendo a leitura. E a reflexão dos trechos apresentados acima.

AGAMBEN, Giorgio. Nudez. Lisboa: Relogio D’Agua Editores, 2009.

 

Comments

comments

rdportari

Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação

%d blogueiros gostam disto: