Justiça que trabalha, por Gaudêncio Torquato
À primeira vista, o dado causa impacto: em 2011, chegaram às prateleiras da Justiça do Trabalho 3.069.489 processos, dos quais 3.016.219 foram julgados. Os números mostram que, a cada 100 mil habitantes, 88 ingressaram com ação ou recurso no Tribunal Superior do Trabalho, 296 nos Tribunais Regionais do Trabalho e 1.097 nas Varas do Trabalho, uma expansão de quase 2% em relação ao ano anterior.
A leitura da moldura estatística permite enxergar três hipóteses: a sociedade tem se tornado mais conflituosa na roda do trabalho; os cidadãos ascendem ao patamar da cidadania pela escada dos direitos individuais e coletivos; a esfera da Justiça trabalhista faz a lição de casa, apresentando-se como uma das mais avançadas na escala da produtividade jurídica.
A pergunta de fundo é: qual a razão para números tão assombrosos se Nações avançadas, como os EUA e o Japão, registram quantidade ínfima de processos trabalhistas, cem mil e mil, respectivamente?
A imagem de sociedade em estado de litígio, convenhamos, não combina com a pacífica fisionomia nacional. É evidente que os avanços da modernidade têm contribuído para desvanecer os “nobres predicados do caráter nacional”, que Affonso Celso apontou em seu clássico Por que Ufano do Meu País: “a afeição à ordem, à paz; a doçura, o desinteresse, o escrúpulo para cumprir obrigações contraídas, a caridade, a tolerância, a ausência de preconceitos”, entre outros.
Como o Brasil não é uma ilha tranquila em um oceano revolto, é natural que tenha abrigado, ao longo dos ciclos históricos, antagonismos deflagrados por vertentes do capital e do trabalho, originados na desigualdade de classes, na racionalização de processos produtivos (em evolução desde a revolução industrial), nas lutas por melhores condições de trabalho, enfim, no desenvolvimento tecnológico que muda as operações produtivas.
Por esta pista, chega-se à encruzilhada dos conflitos trabalhistas, mas esse conjunto de fatores não justifica os exorbitantes dados que emolduram nossa Justiça do Trabalho.
Leia a íntegra em Justiça que trabalha
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação Twitter @gaudtorquat