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Apendicite – Conversa de Compadre

Nunca um nome tinha caído tão bem numa pessoa quanto o de Inocência. Desde cedinho ela fez questão de justificar o apelido: era uma inocente. Se o irmão mais velho mandava ela pegar uma brasa viva com a mão, não titubeava. Um minuto depois, estava aos berros com a mão queimada. Dois dias depois o irmão repetia a brincadeira e ela caía novamente.
Mesmo assim foi crescendo uma menina bonita e sadia, disposta ao trabalho e que espiava os outros com os olhinhos a querer ler o fundo das almas.
Morava na vila, despertou a simpatia da dona da loja de produtos veterinários, que a convidou para atender no balcão. Foi trabalhar, em troca de um salariozinho que, por menor que fosse, já dava para ajudar em casa. Mesmo ali, continuou distraída, a verdadeira imagem da inocência.

Certo dia, um dos fazendeiros mais ricos da região, famoso por sua austeridade, homem de poucas brincadeiras e nenhum humor, entrou meio apressado na loja e perguntou.
– Mocinha, que remédio você tem aí que é bom para carrapato?
Ela, toda solícita, indagou:
– E qual a doença que o seu carrapato tem?
O tempo passou, a mocinha se tornou uma linda jovem, que despertou a atenção dos rapazes da vila e de alguns fazendeiros que viam nela uma linda nora. Acabou se casando com o filho de um destes riquíssimos proprietários de terra.
Mudou-se para a casa grande da fazenda e alheou-se mais ainda ao mundo, tornando-se mais distraída. Uma inocente, como dizem as velhas damas. Só que tinha uma virtude: simpática e conversadeira, não fazia cara feia para ninguém.
Dois ou três anos de casada fizeram dela uma mulher de um corpo maduro e maravilhoso. Só que os filhos não vinham. Um dia, atendendo a uma sugestão do marido, pegou o trem que parava na vila e foi até a cidade fazer uma consulta com um doutor, para ver se é com ela que estava acontecendo alguma coisa de errado. No caminho para a cidade, entabulou conversa com uma velhinha e a viagem passou sem que ela ao menos notasse. Chegaram à cidade, e Inocência tomou uma das charretes de aluguel para levá-la até o hospital, que ficava retirado da cidade uns quatro ou cinco quilômetros, ao lado da ferrovia.
Saiu da consulta feliz. Nada havia de errado, ela podia ser mãe tranqüilamente. Era tudo uma questão de sorte. Como ainda faltavam algumas horas para o próximo trem de volta, Inocência resolveu dar umas voltas pelas lojas da cidade e comprar algumas novidades. Uma dessas novidades foi a primeira meia fina de sua vida, dessas, cor de pele, que vai até o alto das pernas. Ficou tão entusiasmada que a calçou na loja mesmo e saiu desfilando pelas ruas a sua nova aquisição, ao lado de um lindo sapato vermelho e de uma bolsa da mesma cor.
Linda como era, passou a ser notada por um caixeiro-viajante que também esperava o mesmo trem, sentado a uma mesa de bar, e a acompanhava com os olhos pelas ruas da cidade com ar de volúpia no rosto, cara de pessoa vivida nas escolas do mundo.
Seis horas, o trem chega um pouquinho atrasado. Inocência senta em sua poltrona e fica aguardando a saída do comboio. O viajante, esperto, ao ver lugar ao lado dela vazio, pede licença, senta e puxa conversa. Aquelas coisas de sempre. “Mas que calor, hem?”.
Cinco minuto depois, ambos já conversando animadamente. Entusiasmada com suas compras, ela diz.
– O senhor quer ver o sapato novo que eu comprei?
E estende as lindas pernas, mostrando o sapato vermelho ao homem, que começa a ficar assanhado.
Continuam falando sobre coisas de uso de mulheres (ele era vendedor de armarinhos) e ela resolveu mostrar-lhe a outra novidade que comprara:
– O senhor quer ver as meias novas que comprei?
Levanta a barra do vestido até a altura do joelho e mostra a meia de seda transparente, sob qual vicejam suas carnes de mulher jovem. As têmporas do homem começam a latejar.
No momento em que ela começa a contar para o viajante o seu desejo de ter um filho, o trem começa a andar, partindo em direção a Vila. Ela diz que foi à cidade fazer uma consulta e que está tudo bem.
– O médico diz que eu tenho uma saúde de ferro. Até hoje só tive um probleminha, fui operada de apendicite.
Olhando para o homem, de maneira significativa, indaga:
– O senhor quer ver onde eu fui operada de apendicite?
O outro vai ao delírio. Já espumando pelos cantos da boca e babando de desejo antecipado ele quase grita:
– Quero. Quero ver sim!
Então, na maior inocência do mundo, Inocência aponta com o dedo pela janela:
– Foi naquele hospital ali, ao lado da estação.

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rdportari

Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação

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