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Geni e o Zeppelin: uma ode à mediocridade humana

As letras de músicas e poemas de Chico Buarque são dignos de respeito mesmo por parte daqueles que não gostam ou não são fãs do cantor/compositor. Isso é fato. E por esses dias, ouvindo novamente suas músicas, deparei-me com uma série de letras que, mesmo escritas há décadas, ainda fazem sentido e nos fazem sentido. E talvez essa seja a magia dos grandes compositores e autores: conhecer minuciosamente os “homens” e falar deles de modo que, a qualquer momento ou época, possamos identificar esse traço de humanidade em suas letras.

Faço essa breve introdução alguns minutos após ouvir “Geni e o Zeppelin”. Não sou estudioso de Chico, nunca pesquisei sua obra ou escrevi sobre ele. Mas essa é uma das letras que sempre me arrepia por desnudar uma das grandes facetas dos homens: a do “agir” até as últimas consequências para garantir seus interesses particulares e, depois de superados, voltar à mesma mediocridade de sempre.

Geni, que na “Ópera do Malandro” é um homossexual, é alvo da ira e da raiva de sua cidade. Como a própria letra diz, Geni “é feita para amanhar, é boa de cuspir, ela dá pra qualquer um, maldita Geni!”. Assim que a cidade é ameaçada de ser dizimada pelo comandante do Zeppelin a não ser que Geni ceda uma noite inteira de amor com o comandante da aeronave, a cidade vai em romaria beijar a sua mãe e dizer: “vai com ele Geni, você pode nos salvar, você vai nos redimir, você dá para qualquer um, bendita Geni!”. Geni prefere “amar com os bichos” a deitar-se com o comandante do Zeppelin, mas domina seu “asco” diante de tantos pedidos desesperados do povo da cidade. Após se entregar a noite toda para o comandante e este cumprir a promessa e ir embora sem matar a todos, a cidade a acorda com o coro “joga bosta na Geni”.

Fiz esse pequeno resumo do enredo do texto para situar aqueles que não conhecem a letra ou não são familiarizados com a obra. E eis que a miséria humana é revelada pelo cantor/compositor: após conseguir o intento de salvar sua pele, todos da cidade, retomam seu ar medíocre para jogar pedra e bosta em quem os salvou.

A vida, até hoje, é assim. Essa obra, escrita há décadas, revela uma faceta de grande parte dos homens: quando precisam de outrem, se aproximam beijando suas mãos. Após alcançarem seu objetivo, ignoram aqueles a que tanto apelaram…

Infelizmente esse é o “modus operandi” de muitas pessoas, até hoje. E infelizmente, muitas “Genis” ainda não percebem esse movimento de ida e volta e, quando as mesmas pessoas voltam a beijar a mãos das pessoas, cedem novamente aos desejos do opressor na tentativa de redimir aquele que precisa dela. E depois? A história volta para o começo…

Certamente o leitor que chegar ao final do texto deverá estar se perguntando: “qual é o meu papel nessa história?”. Se é o de Geni, ou o de medíocre, a resposta está em sua consciência.

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rdportari

Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação

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