Etc&Tal – 06/06/1999

Foi no escurinho do cinema que eu peguei, pela primeira vez, na mão da garota que eu tanto quis namorar. Tenho certeza de que foi na meia-luz refletida na tela grande que dei meu primeiro beijo apaixonado. Na década de 60, 70, quando a televisão ainda era uma novidade incipiente, que chegava às nossas cidades com uma qualidade precária, o cinema era o programa de todo fim-de-semana.

Ali encontrávamos com nossos amigos, com nossas namoradas e, principalmente, com as atrizes que povoavam nossos sonhos adolescentes. Foi na telona que me apaixonei pela Catherine Deneuve (A Bela da Tarde), Catharine Ross (de Butch Cassidy & Sundance Kid), Vivian Leigh, Sophia Loren, Raquel Welch (100 Rifles), Jane Fonda (Barbarella). Foi ali que me emocionei com cenas maravilhosas e que curti a curiosidade de saber o qu aconteceria, na próxima semana, nos seriados de Buffalo Bill, Zorro e do Randolph Scott.

Quantas gargalhadas com Mazzaropi, Lando Buzzanca, Jerry Lewis, Dean Martin e Cantinflas! Quantas aventuras com James Bond (o 007, então encarnado pelo Sean Connery)! E os gritos de Tarzan (Johnny Weissmiller) pela selva africana!

Foi na abertura das cortinas que aprendi a me apaixonar por músicas como “Amores Clandestinos”, “Paris Está em Chamas?”, “Ritmo da Chuva” e tantas outras, que eram tema de abertura das sessões. Nos tempos das matinês, quantas vezes cheguei mais cedo para trocar gibis usados com meninos e meninas de minha cidade.

E sentar no setor do alto para jogar papel de balas (até mesmo cuspir) em quem estava sentado lá em baixo. Puxar o cabelo das mocinhas que namoravam na poltrona à nossa frente e aproveitavam as cenas mais escuras para beijar o namorado.

Relembrando tantos e tantos detalhes dos anos áureos do cinema, quando ainda não haviam Guerra nas Estrelas, Van Dammes e Schwarzeneggers; quando não tínhamos o pornô nas telas e nem os sangrentos “Hora do Pesadelo”, mas quando os terrores vinham de Drácula, Franckenstein e outros monstros que hoje não assustam nem um bebê; rememorando tantos sonhos (e pesadelos) projetados no enorme pano branco à nossa frente, é que chegou a uma conclusão: os melhores momentos de minha infância e juventude eu os vivi dentro de uma sala de cinema.

Daí o meu entusiasmo pela volta do Cine Canaã. Tenho certeza de que, para muita gente, ele é uma espécie de ponto de referência de uma infância e juventude bem vivida e mal valorizada. Muitas pessoas, hoje, olham para a sua fachada com uma saudade imensa do jovem que foram nos tempos em que freqüentavam o seu interior, para sonhar com seus ídolos.

A essas pessoas, um conselho. Não se façam de rogadas. Comprem o seu ingresso. Entrem no Canaã e matem saudades. Os filmes, hoje, têm mais tecnologia e menos romantismo. Mas, quem estará lá dentro será o você que você foi há 20 ou 30 anos atrás.

E se você é jovem, ainda é tempo. Vá experimentar no cinema, sensações semelhantes a de uma montanha russa. Sentimentos que nenhum vídeo game vai substituir. Cinema é vida.

Parabéns, Anderson, pela iniciativa. Entrem no Canaã e matem saudade.

Sérgio Portari era jornalista em Frutal, onde viveu da década de 1980 até 28/04/2000, data de sua morte. Pai do jornalista Rodrigo Portari e do professor Sérgio Portari Jr., assinava semanalmente uma coluna no Jornal Pontal do Triângulo intitulada “Etc&Tal”. O Blog do Portari, aos domingos, republicará algumas de suas colunas para relembrar aos velhos amigos a paixão de Sérgio pela escrita e, para quem não o conheceu, passar a conhecer um pouco mais do passado da imprensa frutalense.

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rdportari

Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação

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