Noticias

“…a concessão para sorrir” – Deus Lhe Pague!

“A certidão para nascer e a concessão para sorrir”. Essa frase emblemática de Chico Buarque na música “Deus Lhe Pague” demonstra bem o funcionamento das sociedades e comunidades.

Nascemos. Saímos do ventre de nossas mães e ganhamos a existência nesse mundo exterior. Porém, só somos reconhecido enquanto sujeito, cidadão, “ser”, após um cartorário assinar um atestado dizendo que você realmente nasceu vivo, em tal hora, de tal dia, em tal município e em tal lugar (na maioria das vezes, um hospital). Sem esse pequeno pedaço de papel, somos uma incógnita. Não existimos. Não temos direito sequer de ter um nome. E, claro, não temos direito a ter uma “linhagem” (tal como um pedigree de cães): no papel ainda constam nomes de pais e avós.

Precisamos dessa certidão. Assim como precisamos, ao longo da vida, de várias outras certidões: a de identidade, a de CPF, a de motorista habilitado, a do Exército Brasileiro… enfim, só somos alguém mediante a certidões. Sem esses papeis, somos uns “Zé Ninguém”, como diria Wilhelm Reich.

Mas o que mais me incomoda é a concessão para sorrir. Viver em sociedade, em comunidade, não é apenas “ser” uma pessoa. Claro, quanto mais certidões acumuladas, talvez mais “distinção” se consegue. E quanto mais distinção, menos concessões. Assim, se vamos sorrir, precisamos nos policiar. Se vamos chorar, idem. Se vamos criticar então… é um “Deus nos acuda”. As concessões, sejam estabelecidas em lei (tenho a concessão de ir e vir, mas não tenho a concessão de matar, por exemplo), e as sociais, pautam a nossa vida.

E dessas, as “sociais”, ou aquelas determinadas pelo “senso comum”, como diria Kant, são as piores prisões que temos. Se queremos ir de “terno e gravata na piscina” (como diria o prof. Evaldo Severo nos inúmeros sermões que ouvimos enquanto alunos), somos criticados. Se quero ir de sunga na Igreja então… somos excomungados. E olha que nem precisamos ir muito longe para romper com essa “permissão de fazer o que bem queremos”. Basta apontar para um rei e dizer que ele está “nu” que já rompemos com muitas dessas concessões pré-estabelecidas no imaginário de uma sociedade.

Por essas e por outras que, com a minha certidão de nascimento no bolso, e com a concessão “velada” de sorrir, é que tenho apresentado certo cansaço ultimamente. Talvez seja melhor que as minhas concessões sejam mantidas na mente. E quando eu ver o “Rei Nu” desfilando, assuma que sou um entre tantos que não têm capacidade de enxergar o tecido mágico que o envolve.

Agindo assim, certamente, alcançarei mais concessões do que imagino. Porque, de certidões… já alcancei todas que almejei em toda minha vida!

Bom domingo a todos!

==

==

Comments

comments

rdportari

Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação

%d blogueiros gostam disto: