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Etc&Tal – Sérgio Portari – 03/09/1995

Era uma vez, um jovem bonito. Usando uma bem montada estratégia de marketing, ele saiu do nada e chegou ao comando dos destinos de sua comunidade. Sua gente acreditou nele. Primeiramente os jovens, que lhe emprestaram apoio e, até, uma sigla para que ele se candidatasse. Nos palanques, escolheu a dedo dois velhos e tradicionais políticos para atacar. Nos discursos, usava gestos teatrais para dizer que amava o povo simples e que somente os pobres teriam – como na Bíblia – entrada nos reinos dos Céus… ou melhor, de seu governo.
Foi fazendo seu périplo por todos os cantos. Onde houvesse um eleitor, lá estava o rapaz, com seus companheiros e seu staff, na busca de conquistar o voto, tão importante para seu projeto político de chegar lá. Aos poucos foi deixando de ser o candidato ridículo. Dos 2% das pesquisas, foi crescendo aos poucos e, de repente, passou a assustar os candidatos dos partidos tradicionais. Sempre com o discurso agressivo que apontava apenas o seu nome como solução para as dores dos que estavam lá embaixo, com os olhos fitos nos seus gestos de fúria.
Eleito, ele que usava do marketing, passou a abusar desse instrumento. Cada gesto seu era responsável por dezenas de fotografias e até manchetes em jornais. Cada feito seu era transformado num verdadeiro happening. Inaugurações de obras insignificantes, promessas de muita mudança e barulho em casos que mesmo silenciosos ainda estariam provocando ruidos. O grande número de acólitos, principalmente atletas de todos os níveis, jogadores de futebol que gostavam de aparecer ao seu lado para ter prestígio e que lhe emprestava um ar blasé.
Não gostava de ouvir a classe política e só dava ouvidos àquela meia dúzia de subservientes que, nos churrasquinhos regados a uísque, cerveja e mulheres, vinham soprar-lhe fofocas e insinuações, na busca de ganhar prestígio desprestigiando os demais, principalmente as pessoas bem intencionadas que tentavam – sem sucesso – contribuir com seu mandato.
O rapaz, seus amigos e sua troupe, entendiam que seu mandato seria eterno e que um dia, não iria chegar ao fim. Esqueceram-se das promessas de campanha e passaram a olhar seu próprio umbigo. Para eles, sua casa jamais cairia. Enganou-se o rapaz.
Acusações de homossexualismo, de uso de drogas, de aditivos tantos que já não era uma pessoa normal. Passou a ser olhado com desconfiança por seu povo, e chegou a sofrer profundas crises de depressão. Até foi classificado como psicótico.
Abandonado por aqueles que o colocaram no poder, viu, de repente que a casa pode cair, que o mundo pode desmoronar e que as pessoas podem abandoná-lo. Submetido ao julgamento político, foi condenado não pelo que fez, mas pelo que seus amigos e acólitos fizeram. Perdeu todo um trabalho realizado durante dois anos e saiu pelas portas do fundo de um mandato que lhe fôra confiado pelo povo.
Saiu dizendo que tinha sido traído pela classe política por não compactuar com o jogo que a classe política tradicional quer praticar: a do roubo e da corrupção. O mesmo roubo e a mesma corrupção que levaram seus amigos para a cadeia.
Esse homem e seus amigos têm muitas coincidências a ver com gente que anda por aí, pelo País. Ou há coincidências entre esse pessoal e esse homem.
Na terça-feira, ele deu uma contundente – e pungente – entrevista na televisão. Pela primeira vez seu marketing pessoal não foi utilizado. E, pela primeira vez, ele reconheceu que a sinceridade e a esponteidade praticamente batem toda e qualquer estratégia de marketing.
Na terça-feira, Fernando Collor de Mello, ex-presidente da República, o caçador de marajás que foi cassado, o homem que foi arrancado da cadeira da Presidência da República, e que agora se diz um produto de sua própria emoção, mostrou-se como homem, sem a aura divina que seus apaniguados tentaram colocar sobre sua cabeça.
Ele aprendeu que para ser político e, principalmente, para comandar os destinos de uma cidade, um Estado ou um país, é preciso ser humano, ser gente. Não importa que as emoções o traiam, que a sua condição de pessoa o levem a cometer erros. Importante é reconhecê-los e, acima de tudo, corrigí-los. Fazer justiça. Ouvir o povo, as pessoas sérias, as entidades e as lideranças. Afinal, quem vive em volta daqueles que ocupam o poder, transformam-se numa espécie de filtros, que não deixam a realidade chegar intacta até seus chefes.
E essa “bolha” que se forma pode ser maléfica. Collor provou desse veneno. E vai demorar muito para se refazer do tombo.

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rdportari

Jornalista, professor universitário, Dr. em Comunicação

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